Val di Noto e o Barroco Tardio Siciliano.

Depois de alguns dias em Taormina seguimos a nossa viagem rumo ao sul da Sicília Oriental, mais precisamente para o Val di Noto, circunscrição administrativa da Sicília competente pela justiça e ocasionalmente também pelas milícias do Reino da Sicília do período normando até a sua dissolução em 1812. A região, composta por algumas cidades que souberam majestosamente se reerguer após o terrível terremoto de 1693, em locais totalmente novos como Noto e Grammichele, à mando dos governantes da época, os reis da Espanha, que deram ao nobre Giuseppe Lanza poderes especiais, que o permitiu redesenhar as cidades com base em planos cenográficos e racionais, levando a região a se tornar o coração barroco desta ilha, transbordando beleza, história, charme e nos levando de volta à uma Itália ainda ligada à tantas tradições e valores.  

Como o Vale é composto por várias cidades interessantes, é importante levar em consideração quanto tempo você terá disponível e quais seriam os lugares prioridade durante a viagem para então escolher uma base, que no nosso caso foi Noto.

ONDE SE HOSPEDAR NO VAL DI NOTO


Tínhamos como objetivo nesta viagem relaxar acima de qualquer outra coisa. Visitar alguns lugares no nosso tempo, sem termos que dirigir por horas. Então iniciei a busca por um hotel que tivesse uma excelente localização, mas que também pudesse nos proporcionar esse momento de desconexão e calmaria. A escolha da vez foi a Villa Favorita, um hotel localizado a poucos minutos do centro de Noto, em uma propriedade que há mais de 300 anos pertence a mesma família e eles são super atenciosos, discretos e gentis.

Daqui fizemos os nossos passeios diários, em 30 ou 40 minutos chegávamos aos locais que queríamos visitar. Saindo do aeroporto de Catania você irá pegar a rodovia E45 direto até quase a porta do hotel, no qual chegará em menos de 1 hora. Mesmo estando próximo à saída da rodovia uma vez que você entra nele é como adentrar num refúgio histórico de paz.

Os quartos são espaçosos o suficiente (só achei o banheiro um pouco apertadinho), o café da manhã tinha uma boa variedade e eles também trabalham com meia pensão. Nós optamos por não fazer este pacote pois não sabíamos se íamos gostar tanto da comida para repetir por 2 semanas e também porque queríamos estar livres para os passeios e o kite. Mas almoçamos ou jantamos lá dia sim dia não e como alguns de vocês viram no insta, eu fiz 2 dias de curso culinário lá. A comida do Chef Giuseppe Sparacio é aquele tipo de comida feita em casa, leve, com sabor porém suave sabe?

Além do que já citei acima, o hotel tem uma piscina maravilhosamente grande que alivia o forte calor dos meses de verão na região. Passamos muito do nosso tempo à sua borda pois queríamos evitar praias cheias e alí tínhamos todo o conforto e tranquilidade que buscávamos.

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Pôr-do-sol da varanda do hotel em Noto.

Outras opções que eu tinha visto durante a pesquisa foram o San Corrado di Noto, que infelizmente não tinha na época disponibilidade para todo o período que permaneceríamos lá, mas que parece ser excelente (tentamos também comer em dos restaurantes deles e nunca conseguimos vaga. Também tinha colocado na lista o Baglio Genovesi, o Gagliardi Boutique Hotel, ou que tal se hospedar num castelo? Pois ha2 também esta possibilidade no Castello Tafuri, só que ele fica bem mais ao sul e já te faria dirigir por mais tempo para visitar algumas cidades muito interessantes que existem por aqui, vamos a elas?

NOTO


Não poderia começar a lista de cidades que visitamos com outra que não fosse ela, Noto, a Capital do Barroco Siciliano. Declarada Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO, Noto é um verdadeiro parque de diversões para os amantes do estilo artístico aqui citado e para os admiradores de arquitetura. A cidade é pequena e se encaixa perfeitamente num roteiro como uma meta para um bate e volta. Mas vá sem pressa, permita-se vivê-la no ritmo mais pacato que a domina.

Caminhar pelo centro da cidade é uma constante surpresa. Os “ohhhh” serão repetidamente ouvidos. Não atoa, afinal este pequeno Jardim de Pedras Dourado (coloração que toma conta dos edifícios ao entardecer) soube majestosamente, e graças à riqueza que possuía, se reerguer após o terrível terremoto que assolou boa parte do leste da Sicília em 1693.

A Rua Vittorio Emanuele (fechada para a circulação de veículos) concentra algumas das construções mais importantes desta cidade como a Porta Reale que te dá as boas vindas, o Teatro Tina di Lorenzo inspirado no Teatro San Carlo de Napoli, inaugurado em 1870 e que atrai muitos visitantes para a sua varanda que debruça sobre a praça oferencendo uma vista de tirar o fôlego. O emblemático Palácio Ducezio, que atualmente funciona como a sede da prefeitura. Não poderia deixar de citar a famosa Catedral de Noto, dedicada a São Nicolau, é o templo religioso mais importante da cidade. A sua construção foi iniciada em 1694 e só foi completada em 1703. Você a notará com toda certeza. Bem à frente do Palácio Ducezio, com a sua escadaria e fachada que impressionam.

Além dos acima mencionados Noto ainda possui algumas outras construções de grande beleza, espalhadas pelas ruelas do centro. Aproveite para sentar em dos cafés para tomar uma granita, a tão famosa raspadinha da Sicília que anda de mãos dadas com as tradições gastronômicas desta ilha.

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CALTAGIRONE


Saímos de Noto pela manhã e dirigimos até o próximo destino, distante 88 km. Se você já pôs os pés na Sicília alguma vez certamente viu que em cada lugar que se vai nesta ilha as cerâmicas adornam casas, hotéis, restaurantes, cafés e lojas. Elas são lindas e contam a historia deste lugar, muitas vezes ligada à lendas e mitos. A arte foi transmita aos sicilianos pelos árabes durante o seu domínio, inclusive o nome da cidade provém da ideia deles, Qal’at al Ghiràn, que significa Fortaleza dos Vasos. Caltagirone é uma meta para os que amam este tipo de arte. A cidade concentra em si diversas pequenas produções, ainda manuais, dos artefatos feitos com a argila que sai das suas jazidas.

Passear pelas suas ruas é abrir os olhos para um show de cores e formas que ganharam fama mundo à fora. As cerâmicas estão por toda a parte, na cúpula da igreja, na escadaria, nas pontes, em murais, e claro, nos objetos de decoração, como as famosas pinhas, símbolo de boas vindas e a famosa “Testa di Moro”, que seriam aqueles vasos em forma de cabeças. Eles estão também ligados à lendas e estórias contadas por aqui. Uma das versões diz que uma jovem teria se apaixonado por um Moro no bairro árabe de Palermo, após descobrir que ele era casado e partiria de volta para a sua amada na sua terra de origem ela o decapitou e plantou um pé de manjericão na sua cabeça. O manjericão cresceu esplendoroso causando inveja aos vizinhos e passantes que o viam na varanda, assim eles passaram a criar a cabeça em cerâmica para terem os seus próprios pés de manjericão.

DICA: as lojas que estão no alto da escadaria de Santa Maria del Monte geralmente oferecem ótimos descontos pois provavelmente não são tão visitadas quanto as que estão na parte baixa. Algumas produzem manualmente peças lindíssimas. Eu consegui achar em uma delas a que eu estava buscando, com frutas e elementos da ilha, e com a cabeça masculina negra (como seria originalmente). Consegui 30% de desconto e saí de lá feliz da vida!

Caltagirone, assim como outras cidades do Vale di Noto foi reconstruída em estilo Barroco Tardio e o estilo pode ser notado em alguns monumentos da cidade, que inclusive valem à visita.

VILLA VITTORIO EMANUELE: aquele local para onde os locais vão, ela é o jardim público da cidade (um dos mais extenso da ilha) e está ao fundo do MUSEU DELLA CERAMICA, outro ponto super interessante (mesmo sendo um pouco maltratado) já que a maioria das pessoas que chega até aqui vem por apreciar o produto local, ou seja, a cerâmica.

Acima citei a ESCADARIA DE SANTA MARIA DEL MONTE, que sem sombra de dúvidas é uma atração a parte. Ela foi fundamental para conectar a cidade antiga à cidade nova. São 142 degraus que narram nos seus azulejos coloridos a história deste lugar, do século X ao século XX, cada fileira de azulejos (segundo um local que nos contou o fato) representa 10 anos de história.

Os detalhes em cerâmica estão por toda a cidade.
As icônicas “Teste di Moro” produzidas em Caltagirone.

A escadaria também é palco de alguns momentos especiais para a cidade que deixam turistas boquiabertos. Quando elas ficam enfeitadas por flores ou velas trazendo para quem as vê imagens lindíssimas. As celebrações acontecem entre maio e junho (com as flores), nos dias 24 e 25 de julho, durante os festejos do padroeiro da cidade, São Tiago (Giacomo) e em agosto, nos dias 14 e 15 em homenagem à Nossa Senhora da Ponte quando a escadaria se ilumina.

Ir a Caltagirone durante o período Natalino também é uma experiencia que vale à pena. A cidade é tomada por presépios de todos os tamanhos e tipos que ficam expostos aos visitantes até o dia de Reis, trazendo ainda mais magia para o período que para tantos é tão especial.

Aproveitamos que estávamos por estas bandas e emendamos o bate e volta com outras cidadezinhas que estavam na minha lista. Vamos?

RAGUSA


Assim como as cidades já citadas acima, ela também foi devastada pelo terremoto de 1693 reerguendo-se de forma sublime. Não é atoa que ela volta e meia é usada como cenário de filmes italianos. Ragusa é dividida em duas partes, a nova e Ibla, a parte mais turísticas e que concentra belezas que te deixarão impressionado.

Você irá precisar de fôlego, afinal são escadas a perder de vista que nos conduzem de um lado ao outro, de baixo ao alto deste lugar que mais parece um presépio a céu aberto bem no meio de uma ilha. Eu sugiro que você visite Ragusa no final de tarde. Por duas razões: pela temperatura mais amena (para os que viajam nos meses mais quentes) e para que você possa contemplar as luzes que começam a se acender no horizonte trazendo aconchego e ainda mais magia para o lugar.

Vá sem pressa e se deixe levar. Se perca por entre as ruelas que mais parecem labirintos. Visite o Jardim e o Museu Arqueológico de Ibleo. Não deixe de provar os sorvetes, um tanto quanto exóticos, da praça perto do Duomo. Os sabores são bem inóspitos como azeite de oliva, vinho, chocolate com pimenta e por aí vai. Sente em uma das escadas espalhadas por lá e aprecie a vida dos que neste lugar vivem. Ouçam as conversas embaladas pelas mãos como só os italianos sabem fazer.

Nós terminamos o nosso tour sentados na escadaria de Santa Maria delle Scalle, bebendo um vinho no bar Al Gradino 284 e apreciando aquela vista deslumbrante.

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Escadaria do Bar Al Gradino
Catedral de Ragusa

SCICLI


Considerada uma das cidades mais românticas da Itália e integrante da lista de Patrimônio da Humanidade da UNESCO, Scicli é um daqueles lugares neste país onde o tempo parece mesmo não ter passado. Os vestígios arqueológicos nela encontrados nos transportam para 3 mil anos atrás (e olha que ainda há muita história ainda não desvendada nestas terras). Assim como algumas vizinhas ela viveu sob diferentes domínios que deixaram as suas marcas na cultura, crenças, língua e gastronomia do lugar. O seu nome por exemplo provavelmente foi dado pelos Egípcios que chamavam os Sicilianos de “Siclis”.

A estrutura da cidade foi sofrendo modificações ao longos dos anos, os seus habitantes foram descendo a colina onde antes havia uma fortaleza, para habitar o vale. Ela é composta ainda por alguns vilarejos pequeninos de pescadores que debruçam sobre o mar e são os destinos de praia daqui: Sampieri, Cava D’Aliga e Donnalucata.

Scicli também serve de cenário para uma das séries mais famosas da Itália, a “Commissario Montalbano”. A cidade é realmente um desses lugares que parecem ter sido criados para uma cena cinematográfica. Caminhar pela Rua Francesco Mormino-Penna com os seus terraços dourados, prédios nobres em estilo Neoclássico e os tantos edifícios e elementos arquitetônicos que são uma marca desta parte da Sicília, o Barroco Tardio, é uma tração por si só. Há um ar que paira sobre quem por aqui passa diferente dos que sentimos em outros lugares que visitamos por aqui.

Scicli ainda é recheada de igrejas bem ornadas fazendo jus ao estilo que a domina, como a Chiesa di San Giovanni. É também sede de alguns museus para os que se interessam por este tipo de visita. E se ainda conseguir, siga para o topo da Colina de San Matteo para desfrutar de uma vista de tirar o fôlego deste pequeno vilarejo Siciliano que rouba corações.

Se você ainda tiver tempo sobrando e quiser explorar mais as redondezas ainda há a cidade de Modica, que forma um ótimo combo com Ragusa e Scicli.

É ou não é um verdadeiro cenário cinematográfico?

MARZAMEMI


Marsa al-Hamem (Baía das Rolinhas), assim era chamado este encantador vilarejo de pescadores pelos árabes que dominaram a Sicília por um período, pelo fato do lugar estar na rota de migração das aves.

Atualmente Marzamemi é um dos points da região sudeste siciliana, atraindo muitos e muitos visitantes no verão que por aqui chegam não só em busca do seu cenário pitoresco e mega fotogênico mas também das praias (as que vi não me encheram os olhos) e da oferta gastronômica do lugar, onde o atum aparece como cargo chefe, já que aqui também existiu uma “tonnara”, local para onde os peixes eram levados após a pesca para serem limpos e preparados para a venda e que até hoje influencia na tradição alimentar local.

Durante a nossa viagem pelo interior da Sicília, Marzamemi foi o local com maior fluxo de pessoas que vimos. Passamos por aqui algumas vezes (para comer principalmente) por causa da proximidade com o nosso hotel e sempre encontramos o vilarejo cheio de turistas, mesmo já em Setembro.

Nosso primeiro jantar por aqui foi no super popular “Campisi” mas posso jogar a real com vocês? Não gostei!

Tava com muita fome, não comi tudo por não ter gostado mesmo (umas misturas exóticas que tiram o prazer de se comer aquela clássica e simples comida mediterrânea) e para piorar eu passei muito mal depois. Quem me segue no insta viu que fiquei 2 dias praticamente sem sair do quarto com uma diarreia terrível.

Na pracinha principal há vários restaurantes e a Taverna La Cialoma foi uma opção que nos agradou mais por aqui. Mas o nosso favorito mesmo foi um completamente fora da rota “centrinho”, só descobrimos ele porque um dia não conseguimos estacionamento e fomos parar mais longe, bem à frente da nossa vaga estava a Pizzeria Club Nautico, bem simples e vazia, ficamos meio com o pé atrás mas no final, já cansados que estávamos, decidimos dar uma chance para não precisarmos caminhar tanto, e olha, que comida boa! A melhor pizza que comi nos meus dias de Sicília (voltei lá só por causa dela depois). Sem falar no preço que foi quase nada para o tanto de comida que recebemos.

marzamemi sicilia

E assim chegamos mais uma vez ao final de uma viagem, ou melhor, de uma parte dela, porque ainda tem post vindo por aí, sobre outro cantinho que visitamos durante esses nossos dias de Sicília que é muito especial e merece uma atenção maior. Espero que estejam gostando do conteúdo até aqui. Não esqueçam de seguir em tempo real lá no instagram @brenda.s.tavares e de compartilhar ou salvar este pin aqui embaixo na sua pastinha do Pinterest de “Próximos Destinos”.

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Brenda Tavares
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